2008-11-17
Recorde do "Suprematismo"
2008-11-13
2008-11-10
2008-11-04
Palladio (1508-1580): de canteiro a teórico e arquitecto "uomo universale"
S. Giorgio Maggiore, alçado
Villa Almerico Capra, chamada "A Rotonda", Vicenza, 1566
"A Rotonda", planta
Andrea Palladio (Pádua 30 Nov. 1508 – Vicenza 19 Ago. 1580)
2008-11-01
1 de Novembro
Nos chagrins, nos regrets, nos pertes sont sans nombre.
Le passé n’est pour nous qu’un triste souvenir;
Le présent est affreux s’il n’est point d’avenir,
Si la nuit du tombeau détruit l’être qui pense.
Un jour tout será bien, voilà notre esperance.
Tout est bien aujourd’hui, voilà l’illusion.
Les sages me trompaient, et Dieu seul a raison.
Voltaire, Poème sur le desastre de Lisbonne. Décembre, 1755
2008-10-25
Giovanni Bellini: a forma e o espírito
“E cumprindo-se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés,
o levaram a Jerusalém para o apresentar ao Senhor” (Lucas 2:22).
O episódio da apresentação de Jesus no templo, encontra-se narrado no Evangelho segundo São Lucas (2:22-40). De acordo o texto sagrado, Maria e José, no 40º dia após o nascimento de Jesus, levaram-no ao templo, em cumprimento dos preceitos da lei de Moisés, por forma a assegurar a Purificação da mãe que dera à luz e como sinal de redenção do Menino, que nascera em Belém. No templo, encontraram Simeão “homem justo e temente a Deus” (Lucas 2:25), que não encontraria a morte antes ter visto o Cristo do Senhor. Simeão tomando a criança nos braços, louvou a Deus e disse:
«Nunc dimittis servum tuum, Domine, secundum verbum tuum in pace / Quia viderunt oculi mei salutare tuum / Quod parasti ante faciem omnium populorum / Lumen ad revelationem gentium, et gloriam plebis tuae Israel» (Lucas 2: 29-32)
Estava igualmente presente no templo a profetiza Ana, já de idade avançada (quase oitenta anos), “e sobrevindo na mesma hora, ela dava graças a Deus, e falava dele a todos os que esperavam a redenção em Jerusalém” (Lucas 2: 38).
Giovanni Bellini. Apresentação de Jesus no Templo. Têmpera sobre madeira. 80 x 105 cm. Fondazione Querini-Stampalia, Veneza
É este o episódio que Giovanni Bellini (1430-1516) retrata na Apresentação de Jesus no Templo, obra cuja datação continua tema de controvérsia, oscilando entre 1453 e 1480, segundo os vários estudiosos da obra do mestre veneziano. Inicialmente atribuída a Andrea Mantegna (1431-1506), seu cunhado, muito por culpa de uma inscrição na tábua, provavelmente setecentista, em que figura o nome de Mantegna, viria a confirmar-se agora, através de exame radiográfico, a indiscutível autoria de Giovanni Bellini, tanto pela sua assinatura como pelo magnífico desenho subjacente.
Andrea Mantegna. Apresentação de Jesus no Templo. c. 1465-66. Óleo sobre tela. 69x86,3 cm. Gemäldegalerie, Berlim
Tudo aponta para que o trabalho de Mantegna seja anterior ao de Bellini e como tal este lhe seja devedor. Sabemos como ambos os artistas comunhavam idênticas preocupações no âmbito da pintura. Todavia, embora próximos, não podemos deixar de reconhecer um cariz muito particular a cada um dos artistas nas respectivas obras. Tomemos como exemplo as duas pinturas executadas em datas que acreditamos ser não muito distantes, sobre um mesmo tema religioso. A questão iconográfica parece-nos um excelente ponto de partida, uma vez que se apresenta como uma “citação” do Evangelho segundo São Lucas, mais concretamente a “Apresentação de Jesus no Templo” (2:22-24) e “Simeão e Ana” (2:25-38). Tal como referimos acima, o texto bíblico identifica cinco personagens, divididos em dois núcleos específicos: o primeiro, constituído por Maria, Jesus e José (a Sagrada Família); e o segundo, por Simeão (o justo) e Ana (a velha profetiza). Na tela de Mantegna encontramos a Sagrada Família, sendo que Maria, o pequeno Jesus enfaixado, segundo a tradição judaica, e Simeão, ocupam o primeiro plano da composição e José – em posição central - ocupa o segundo. Regista-se ainda um terceiro plano, em que uma personagem feminina e outra masculina ocupam, respectivamente, os extremos esquerdo e direito do quadro. No esquerdo, a personagem feminina poderá seguramente tratar-se de Ana, embora a sua juventude não esteja de acordo como texto bíblico; enquanto no direito, subsistem dúvidas quanto à entidade da personagem, que muitos pensam tratar-se do próprio Mantegna, que atendendo à datação da tela, teria por essa altura cerca de 25-26 anos. Atente-se ainda à composição: existe uma expécie de triangulação criada pelo grupo Maria / Menino num dos vértices, frente a Simeão, estando José no terceiro, em fundo. A articulação dos olhares entre estes personagens, todos aurelados, estabelece uma tensão e um dramatismo acentuados pela expressão grave sobretudo de José. Os dois personagens dos extremos, olham no sentido da esquerda, como que alheios ao episódio narrado, que podemos interpretar como uma antevisão de acontecimentos futuros. Analisemos agora a tábua de Bellini, decerto de feitura posterior: a organização dos personagens é idêntica à de Mantegna, embora com variantes: Maria com o Menino e Simeão em primeiro plano. É extraordinária a semelhança de Maria e o diálogo que estabelece como Simeão. Regista-se uma maior simplicidade da indumentária, em que o brocado de seda das vestes das personagens de Mantegna, tão ao gosto veneziano, dá lugar a um tratamento mais despojado por parte de Bellini, sobretudo na representação de Maria. Claramente, em segundo plano, o pintor veneziano coloca também nos extremos da composição duas personagens: à direita a figura feminina que pensamos tratar-se de Ana, e à esquerda uma figura masculina, que nos olha impiedosamente. Em terceiro plano, ao centro, a figura de José, de expressão benigna, atento a Simeão. Entrevemos ainda de cada lado de José, em plano ligeiramente mais recuado, à direita, uma figura feminina jovem, cujo olhar se dirige para o exterior do quadro, enquanto do outro lado, um homem ainda jovem parece olhar na direcção de José. Também aqui temos uma triangulação entre os personagens “principais” da narrativa segundo o texto bíblico: Maria e Simeão entreolham-se tendo em fundo José. O efeito dessa triangulação em ambas as pinturas é ligeiramente destabilizado pela presença do Jesus Menino, acentuando o carácter dramático deste episódio bíblico. O fundo negro nas duas pinturas acentua o recorte das personagens, contribuindo igualmente para intensificar a luminosidade do espaço pictórico, de maior intensidade, na tábua de Bellini, que o tampo de mármore atravessando todo o plano inferior do quadro, pretende atenuar.
Embora a composição de Bellini seja devedora de Mantegna, não podemos deixar de fazer notar a forma magnífica como o primeiro organiza um espaço tão populado de figuras, conferindo-lhes uma carga dramática tão de acordo com o texto do Evangelho, embora recorrendo a uma “modernidade” própria do Renascimento, através da introdução no espaço pictórico de figuras alheias à narrativa religiosa, mas que com ela comungam de forma a reforçar o pathos que tão laboriosamente o pintor procura veicular.
Tal como já acontecera anteriormente em Agonia no horto, obra de c. 1465, também na Apesentação de Jesus no Templo, julgamos que Bellini sai vencedor nas soluções que encontra no seio da pintura, face ao seu parente do Veneto. Bellini continuará posteriormente a desenvolver o seu prodigioso talento de pintor em obras tão significativas quanto a Virgem e o Menino no Trono, 1488 (Frari, Veneza), O Êxtase de S. Francisco, 1485 (Frick Collection, Nova Iorque) ou A Virgem no Trono com Santos, 1505 (São Zacarias, Veneza), entre outras, que o afirmam como o pintor fundamental para Veneza como outrora Giotto fora para a pintura florentina e cuja continuidade fica bem patente nas obras dos seus seguidores, Giorgione ou Ticiano.
A obra de Bellini está patente na exposição que está patente na Squderie do Quirinale, Roma.