2008-09-10

Graffitis e caca de cão : Parte I

Se tivesse que eleger duas coisas, entre várias, que verdadeiramente me desagradam na minha cidade (Lisboa) escolheria sem hesitar: os graffiti e a caca de cão.
Comecemos pela primeira. Desagrada-me de sobremaneira a forma como os graffiti proliferam na cidade, invadindo tudo, numa espécie de horror vaccui, que alastra como um rizoma que tudo engole e destrói. Desagrada-me que os graffiti sejam destituídos, na sua esmagadora maioria, de qualquer mensagem ou qualidade artística, para se reduziram a meros “tags” desqualificados. Convém recordar a natureza transgressora e panfletária que está na sua origem, tornada mais visível na década de 1960, absorvendo os ensinamentos da Pop Art e da lição política do Maio de 68, mas também do recém-chegado hip-hop (EUA, finais da década de 1960) para de novo renascer nos anos de 1980, findos que estavam os anos do Punk e assim entrarem pela porta grande das galerias de arte e até das casas leiloeiras. Lembremo-nos do poderoso contributo de Basquiat ao ultrapassar o espaço contido do “quadro” trazendo a suas mensagens para a rua (ou o interessantíssimo Dubuffet que, apesar da irreverência da representação não utltrapassou os limites da tela). Façamos hoje novo exercício retrospectivo e compreendamos a força dessa arte rebelde que invadiu o espaço público e a propriedade privada sem quaisquer pudor ou restrição mas que cedo se deixou seduzir pela leis do mercado que combatia. Poderemos fazer recuar ainda mais o nosso exercício de memória e iremos encontrar graffiti ao longo de toda a história da humanidade. Podemos mesmo dizer, onde há homem há graffiti, basta que para isso aquele aguce o engenho e descubra o instrumento que lhe permita registar a sua “marca” - o momento da sua passagem. Está aqui verdadeiramente a génese dos “tags” contemporâneos, essa vontade (necessidade?) de invasão do espaço, pelo registo de uma pegada que simbolicamente se manifeste através de uma mensagem: estive aqui! É esse grito lancinante que me desagrada. É demasiado egocêntrico e codificado para se dar ao luxo de invadir o nosso espaço público, sem que para isso possamos encontrar uma justificação. Não estarei certamente a ser injusto para com os artistas graffiteiros, que os há, e que por falta de políticas de intervenção artística, se vêm, em alguns casos, empurrados para os becos sombrios da cidade velha, para os viadutos das grandes avenidas ou para os aberrantes blocos de apartamentos de habitação social (e não só) que estrangulam as suas vidas.
A criação de espaços para serem grafitados, soluções por vezes encontradas por autarcas e políticos “gentis” à causa, é um mal maior. Subverte a razão do graffiti (quando a há e por vezes somos surpreendidos pela sua mensagem e eloquência) para a tornar um bem de consumo como tantos outros que cobrem o espaço urbano (cf. a publicidade), retirando-lhe força e dando-lhe status, que é afinal o seu objecto de crítica, o leitmotiv da sua própria existência. Que fazer então? Já que tenho o dedo apontado, poderei sugerir que sempre que os graffiti surjam eles devem ser removidos. Aqui a Câmara Municipal de Lisboa terá de assumir a sua condição de zeladora pelo espaço público e pela propriedade de outrem. A acção não irá destruir a vontade graffiteira, mas irá torná-la um excitante jogo, embora bastante dispendioso. Para atenuar custos e esforços, poderão declarar-se zonas estritamente off limits. Esses locais exigiriam uma pronta resposta, por parte das autoridades, até ao limite de 24 horas. Uma vez localizado o graffiti pela “brigada anti-graffiti” (expressamente constituída para o efeito, recorrendo ao voluntariado através das Juntas de Freguesia), esta teria apenas um dia para repor a situação anterior, ou seja, limpar o local que serviu de suporte. Todos os outros teriam resposta adequada aos meios existentes. E como poderíamos então resistir à sedução que alguns graffiti exercem sobre nós? Todos no lembramos afinal dos magníficos murais que inundaram as cidades do país em geral e Lisboa em Portugal, a seguir ao 25 de Abril. Mas seriam mesmo graffiti? Ou teriam outra classificação? na espantosa tradição sul americana de Muralismo, de que Diego Rivera foi um dos seus maiores expoentes (a arma política da revolução mexicana 1910-1920). É facto que nesta onda de “limpeza” nos arriscaríamos a fazer desaparecer magníficos exemplares da chamada “cultura urbana”, que ficariam irremediavelmente perdidos para todo o sempre. Solução: levantamento fotográfico antes da limpeza. Afinal, os ditos graffiti teriam já cumprido a sua missão efémera, enquanto que os que asseguraram a sua remoção ficariam com a satisfação da missão cumprida e do dever da preservação do legado antropológico devidamente assegurado. Talvez esta não seja a melhor solução, reconheço, mas é preciso levar a cabo acções que possam modificar o estado das coisas e que pela sua dinâmica possam inclusivamente criar nos fazedores de graffiti, tags, etc. e também nos artistas que escolherem esse meio de expressão, novas fórmulas, conceitos e meios de expressão, com efeitos menos devastadores do NOSSO espaço público.
Recomendaria, como nota final, que fosse criada uma brigada no âmbito da ASAE que inspeccionasse os locais de venda de sprays etc., por forma a que apenas fossem vendidos materiais com certificado ecológico e garantia de facilitada remoção.