É em tempos de crise que procuramos dar sentido à nossa existência, ao nosso quotidiano tão cheio de avanços e recuos, à vontade de concretizações que nos transportem para um qualquer Walhalla onde possamos beber o leite e o mel. Todavia, algo amaldiçoa a nossa condição humana, trazendo à colação o fantasma da adversidade, vestido de negro, associando-o à verdadeira catástrofe, a algo inimaginável, cuja concretização deverá ocorrer em concomitância com os nossos comiseráreis quotidianos, pondo assim em causa a nossa felicidade. Nem o optimismo nos salva dos prognósticos sérios e avisados dos economistas e comentadores, esses novos gurus que vieram substituir teólogos e filósofos, impondo uma nova regra, tão pragmática quanto implacável, segundo a qual a felicidade estará necessariamente “indexada” à nossa capacidade de possuir e de, apesar de tudo, prosseguir na senda imparável do progresso. As necessárias conclusões a tirar no quadro da monumental falência dos nossos sistemas políticos e económicos, enredam-se na constatação de que cada homem está cada vez mais só e cada vez mais entregue a si próprio e à sua sorte. Sem deus e sem estado providência, como poderá o homem sobreviver num quadro global hostil e ainda assim procurar atingir a tão desejada felicidade? Como poderemos antever a resposta não será fácil. Mas, em tempos de crises várias, um pouco por toda a parte, surgem astrólogos, videntes e quiromantes dispostos a contribuir para encontrar caminhos e soluções. Lembro-me, que numa viagem aos Estados Unidos este verão (antes da “crise”), não pude deixar de verificar que o número considerável de “lojas” de videntes quase rivalizava com o dos estabelecimentos que se dedicavam a sofisticados tratamentos capilares, corporais ou das famigeradas “nails”. Há uma mudança de paradigma na procura da felicidade (um tanto fim-de-mundista). Lembro também a propósito de tudo isto o notável livro de Eric Weiner, The Geography of Bliss (Twelve: New York, 2008), no qual se procura encontrar uma relação entre geografia e felicidade. O autor, que foi correspondente no estrangeiro do National Public Radio (EUA), analisa países tão dispares quanto a Holanda ou o Butão, a Islândia ou a Moldávia, passando ainda em revista a Suíça, o Qatar, a Tailândia, a Grã-Bretanha, a Índia e os Estados Unidos. Fiquei convencido, após ler este livro, que “não existe tal coisa como felicidade pessoal”. A felicidade “é algo cem por cento relacional” (p. 324). Acresce que ninguém aguentaria uma vida de “felicidade plena” seria uma espécie de “inferno na terra” pelo que a felicidade só poderá ser valorizada pela experiência do seu contrário, embora tenhamos como certo que vale a pena prosseguir a procura da sua concretização plena. Haverá então que ter confiança, embora esta não seja “um ideal da razão, mas sim da imaginação” (p. 154, citando Kant). Continuemos portanto a acreditar que a felicidade é algo atingível, e que estará por certo do outro lado do arco-íris, uma vez passada a tempestade. Vale-nos a crença na imaginação.
2008-10-18
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