2008-09-15

O salto no vazio

É impossível ficar indiferente perante a obra de Gonçalo Barreiros (GB) agora patente na Agência Vera Cortês.
A orgânica simplicidade da mostra esconde um enredo bem urdido, que o artista vem fabricando desde que escolheu Londres e a Slade School of Art, para lugar de concretização do seu Mestrado artístico. É exactamente do cruzamento de uma vontade de homo faber e da apropriação feliz dos objectos do mundo, para os re-fazer, mesmo que seja para o contentor, que é o espaço da exposição, que GB desenvolve a sua instalação. É notável a forma como o “vazio” se preenche de magníficas associações e relações exteriores à própria obra apresentada, a que não são alheias. Assim, o vazio que os objectos preenchem completa-se através das imagens e dos sons que se desmontam e se apreendem, como se se tratasse de uma “primeira lição”, reforçada pela citação, num dos quartos, à escola do Estado Novo. O facto dos seus objectos se repartirem por cinco quartos (um por quarto) é revelador da vontade de preencher o vazio do espaço da casa, convocando uma organicidade apenas metafórica, assente no desejo que os objectos estabeleçam uma rede pós-rizomática de associações e vontades próprias, libertas da própria lógica do fazer. As possibilidades de montagem seriam inúmeras. Perante o vazio há que dar o primeiro passo ... ou deixá-lo permanecer –Vide - como fez Yves Klein na Galeria Iris Clert (1958). A ousadia da montagem é ela própria uma “obra” que “cose” cada um dos quartos da casa, que é também a marca de uma vivência outra. Casa e obra são apropriações que devoram o tempo, fundindo-se num objecto único. Ao vivê-lo procuramos sentir a sua unidade física que é também uma janela libertadora para compreender o conforto da repetição, da incongruência, da desmontagem da representação, do desconforto da hesitação e da experiência que nunca é banal. Tudo isto está lá, assim como o risco assumido pelo salto no vazio.
Até 31 de Outubro na Vera Cortês Agência de Arte, em Lisboa.

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