Van Gogh, Noite estrelada sobre o Rhone, 1888
O nome de um grande artista associado a uma exposição é meio caminho andado para o sucesso da iniciativa. Fazem-se filas quilométricas à porta dos museus e galerias, compram-se bilhetes com grande antecedência, planeiam-se viagens e estadias e há toda uma máquina comercial que gira em torno do esperado êxito do evento. Os grandes museus abrem os seus espaços numa sucessão infinita de salas, publicam volumosos catálogos, promovem ciclos de conferências, concertos e filmes, os serviços educativos realizam oficinas e oferecem visitas guiadas, as lojas enchem-se de artefactos de todos o tipo, alusivos ou inspirados nos objectos artísticos. A festa faz-se. Se nos interrogarmos sobre a validade de tudo isto teremos certamente que nos juntar ao coro de vozes que apoiam este género de acontecimentos, não pela sua grandiosidade (que muitas vezes joga a desfavor) mas pela oportunidade que possibilita ao cidadão comum: o confronto com a obra de arte. Todavia, as sondagens realizadas aos visitantes demonstram dados absurdos. Muitas das pessoas trocam os nomes dos artistas, das exposições e da natureza do tema visado, mostrando muitas vezes total incompreensão sobre os objectivos dos organizadores. Para além do sucesso, do número dos visitantes, das receitas obtidas com bilheteiras, vendas de produtos e dos patrocínios das grandes empresas, bancos ou companhias de seguros, o que fica então da exposição? O catálogo? Tudo o que foi impresso ou fabricado para a ocasião? E o que ficou então dentro de cada um de nós? Sendo esta última provavelmente a questão principal, será porventura a de mais difícil resposta.
Quando o MoMA (Museum of Modern Art, New York), um dos principais museus do mundo, e não apenas por possuir a que é certamente a mais qualificada colecção de arte moderna à superfície da terra, mas sobretudo por saber adaptar-se aos novos tempos (e por “novos” entenda-se: contemporaneidade), ao criar novas leituras da colecção, abrindo-se ao exterior, promovendo a arte e os artistas para além do espaço que as alberga. É por isso surpreendente que depois do sucesso do blockbuster: “Dali Painting and Film”, o MoMA esteja a poucos dias inaugurar uma exposição, de formato mais intimista, com um nome de incontornável “celebridade” do mundo da arte: Van Gogh. Assim, a exposição “Van Gogh and the Colours of the Night” (21 de Setembro de 2008 – 5 de Janeiro de 2009), afigura-se um exercício de contenção face a uma possível megalomania que o nome sugere, sustentado num trabalho de grande rigor científico, que define um tema que serve de ponto de partida para o confronto com apenas um segmento da obra de um artistas mais relevantes da história da arte.
«… Não sei se poderás entender que é possível fazer poesia através da combinação das cores, da mesma forma como tu podes dizer palavras de conforto através da música …»
carta de Vincent Van Gogh à sua irmã Wilhelmina. Arles, Novembro de 1888
A relação especial do artista com a noite é o fio condutor desta exposição que integra 23 pinturas, 9 desenhos, correspondência e os livros que leu (que incluem poemas sobre a noite), numa colaboração entre o MoMA e o Museu Van Gogh de Amesterdão. As últimas horas do dia, a transição entre o ocaso e a noite (“Estivadores em Arles, 1888), tornada mais verdadeira com o acender das luzes da cidade ou/e a presença notada das estrelas na imensidão do céu (“Noite estrelada sobre o Rhone”, 1888, ou “Noite estrelada”, 1889) tudo serve a Van Gogh para experimentar sensações de cor, associadas a estados de espírito, a humores, sem nunca se afastar dos ritmos da natureza. Mas a Van Gogh interessam também os espaços iluminados dos cafés (“Café em Arles”, 1888), ou o dramatismo dos interiores na tradição de Rembrandt, em que os “Comedores de batatas” (1885) é o culminar de uma primeira fase da obra de um artista que tardiamente (cerca dos 27 anos) se lançou de corpo e alma ao exercício da pintura. É com os “Comedores” que se inicia o percurso da exposição. Será também com a representação de um interior, uma espécie de natureza morta, que prima pela ausência do sujeito da representação, que novamente a iluminação interior ganha presença, através de uma vela acesa. Mais do que uma alusão à transitoriedade da vida – vanitas -, a tela de 1888, “A cadeira de braços de Gauguin”, com a qual a exposição termina, representa o nocturno interior de Van Gogh, através da evocação do amigo ausente e da sua inevitável solidão.
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