2008-09-30

“Silence is so accurate” (Mark Rothko)

De origem judia, emigrado do ainda império russo com a família para os Estados Unidos, em 1913, Rothko é um dos nomes incontornáveis do designado Expressionismo Abstracto (movimento com origem nos EUA, no pós II Guerra Mundial), que integra nomes como Jackson Pollock, Jean Dubuffet, Franz Kline, de Kooning, entre outros).
O Expressionismo Abstracto tem como campo privilegiado a pintura. Algo de comum a todos os artistas que abraçaram este movimento artístico é a importância dada à superfície da tela como um todo. Não há um lugar especialmente importante, como o centro, por exemplo, onde o pintor concentre a sua atenção e assim conduza a atenção do observador. A tela torna-se uma espécie de “campo de combate” onde toda a acção se desenrola; onde a cor encontra o seu verdadeiro lugar. É esse o espaço do referente, que reside no seio da própria pintura e não exteriormente a ela. Existe uma espécie de “virtude” neste espaço quase sagrado que é, de facto, onde tudo se desenrola; onde a pintura verdadeiramente acontece.
É importante em Rothko a sua visão do mito (certamente inspirada na obra de Nietzsche) como instrumento estruturante em tempos de crise da espiritualidade, como se houvesse um vazio que é imperioso preencher. Esse vazio é preenchido pela cor, que se torna instrumental, percorrendo paletas quentes e luminosas, que podem dar lugar a atmosferas frias e sombrias que provocam em nós, simples mortais, sensações que oscilam entre o conforto e o desconforto, entre o êxtase e a depressão, entre a vontade de entrarmos na superfície da tela e nos perdermos na inebriante imensidão cromática que se torna a razão de ser da pintura. O que permanece sempre na pintura de Rothko é o silêncio. Profundo, exacto, inalterável.
É por tudo isto que a exposição recentemente inaugurada na Tate Modern, em Londres (26 de Setembro de 2008 a 1 de Fevereiro de 2009) é absolutamente fundamental para confirmar a vitalidade da pintura de Rothko no início do século XXI. A exposição apresenta a excelente colecção da Tate em confronto, pela primeira vez, com os “Seagram Murals” concebidos para o restaurante The Four Seasons (Edifício Seagram, em Nova Iorque) a que se juntam outras séries: Black-form paintings, os trabalhos de grande escala, em papel (série castanha e série cinza), e ainda a última série de pinturas Preto sobre cinzento, realizada já no fim da sua vida entre 1958-1970.

2008-09-29

Os azulejos de Maria Keil

Confesso que estive muito tentado a assinar a petição online que dava conta da “injustiça” cometida com Maria Keil e os seus painéis de azulejos destruídos pelo Metropolitano de Lisboa. É difícil não seguir o apelo daquilo que consideramos justo, sobretudo se o infractor for uma entidade, mais ou menos poderosa, um tanto parda, na medida em que temos dificuldade em materializar a identidade dos seus responsáveis, sejam eles conselhos de administração, presidentes ou CEO(s). Ainda por cima a artista Maria Keil, senhora que já ultrapassou os 90 anos, figura que granjeou a nossa simpatia colectiva, através das suas ilustrações (muitas delas para livros infantis, que “formataram” muito do nosso imaginário) e da presença na cidade de muitos marcos daquilo que hoje se escolheu designar de “arte pública”, tornaria ainda mais válida a nossa repulsa por tão vis actos e afrontas. Sei que referir tudo isto depois da notícia vir a lume este sábado, no Expresso, parece um exercício de oportunismo e petulante clarividência. Confesso que não é. Antes de Maria Keil ter destruído a polémica – ela que nem foi consultada pelos autores da petição – sobre a história dos azulejos, da sua destruição, da forma como não teria sido compensada, etc., procurei documentar-me sobre o assunto. Ao fazê-lo, foi-me dito que o assunto estava ultrapassado há anos. Pude mesmo constatar que o próprio Museu do Azulejo é detentor dos desenhos que a artista concebeu para a execução dos famigerados painéis e que nunca houve um “caso” levantado por Maria Keil: “Em que mundo é que vivemos, que põem coisas assim na internet sem falar com ninguém?” (Maria Keil, in Expresso, 27-09-08). O que podemos retirar de tudo isto? Em primeiro lugar, o método: blogs e mails funcionam como rastilhos, bastando para isso lançar suspeitas, o resto é feito pelos próprios nautas, que se encarregam da propagação, muitas das vezes, automaticamente, sem mesmo ler o correio recebido; e em segundo lugar, o conteúdo: chega-nos um pouco de tudo, apelando à costumeira sinergia de grupo, maioritariamente acrítica, empolgando-se por causas “públicas”, ao alcance de um qualquer indicador, naturalmente acéfalo.

2008-09-26

"Logo a abrir, pareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade a navegar. Não me admiro: sempre que me sinto em alturas de abranger o mundo, no pico de um miradouro ou sentado numa nuvem, vejo-te em cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro, e até a brisa que corre me sabe a sal." 
 José Cardoso Pires. Lisboa - Livro de Bordo: vozes, olhares, comemorações 3 ed. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 7.

2008-09-24

Graffitis em Lisboa e “O mistério das portas azuis”

Obrigado à Time Out e à República dos Corvos por desvendar, no número do seu 1º aniversário (Parabéns, Parabéns), o mistério das portas azuis. A responsabilidade é de Eko Five (32 anos, vive e trabalha em Espanha). Tal como diz à revista: “Isto não é uma brincadeira de putos. É agarrar nos prédios devolutos e, sem estragar as fachadas, embelezá-los. Não estragamos património, respeitamos muito as fachadas dos prédios”. O colectivo de artistas responsável pela intervenção refere ainda não desanimar quando os seus graffitis foram invadidos por “tags”: “Voltámos lá e pintámos por cima …”. Este poderá ser um tipo de intervenção que a cidade precisa. O campo é fértil. Ver assuntos relacionados neste blog: Graffitis e caca de cão I.

2008-09-22

Reconversão de lugares de culto religioso – irrelevância do espaço sagrado e o pragmatismo contemporâneo.

Para o homem primordial o mundo era habitado por muitos deuses. As suas casas eram lugares imensos, como a própria Natureza. Era então difícil ao Homem abarcar a ideia de domesticar esses entes, ou trazê-los para a vivência do seu quotidiano. Assim, eles tornaram-se o próprio sol, ou assumiram as qualidades dos elementos: fogo, terra, ar, água. A estes, juntaram-se muitos outros e com a sedentarização das comunidades humanas foram-se também reservando “espaços” para os evocar e adorar. Aos deuses antigos juntaram-se novos, na constante procura do entendimento da razão da existência e dos seus fenómenos. As grandes civilizações, primeiro as orientais, depois as próximas da bacia do mar Mediterrâneo, procuravam adorar os seus deuses e divindades adoptando lugares que pela sua posição geográfica permitiam uma maior interacção com essas entidades. O Olimpo e a sua contrapartida terrena é produto da civilização grega que assim assimilava um legado milenar, dando-lhe um significado verdadeiramente novo. Torna-se fundamental assumir uma vivência cultual que se materializa e dissemina através da construção de altares e templos cujas fundações cresciam sobre um chão que se tornava sagrado. Mas será em Roma, pátria do pragmatismo, onde nascerá um templo dedicado a todos os deuses, o Panteão. O templo inicialmente mandado construir por Agripa no rescaldo na batalha de Actium (31 a. C.) pereceu num incêndio (80 d. C.). Coube então ao imperador Adriano (76-138 d. C.) a ideia de o reconstruir, no mesmo local, ou seja, no mesmo chão sagrado, a partir de 125 d. C., o monumental edifício que chegou aos nossos dias. Ao reconstruir o templo no mesmo chão onde se erguera o anterior, o pantheon saía reforçado na sua sacralidade. Adriano pede ao arquitecto que incorpore na nova fachada a referência a Agripa, que fora afinal o construtor do templo destruído: M·AGRIPPA·L·F·COS·TERTIVM·FECIT (Marcus Agrippa, Lucii filius, consul tertium fecit). O edifício viria a ser reparado em 202 d. C. durante o consulado do imperador Caracala. Em 609 o edifício é doado pelo então imperador bizantino ao Papa Bonifácio IV que o consagra ao culto cristão, assumindo o templo o nome de igreja de Santa Maria dos Mártires. A importância do Panteão no fixar de uma nova gramática construtiva é da maior relevância para os artistas do Renascimento, sobretudo para os arquitectos, como Brunelleschi que percebe parte da solução construtiva da magnífica abóboda. Os resultados práticos da sua investigação podem ainda hoje ser observados em Florença, no Duomo (Santa Maria del Fiore). É no panteão que são tumulados pintores como Rafael e Anibal Carracci ou os reis de Itália Vítor Emanuel II e Humberto I. Isto para dizer que a sacralização do templo não se perdeu na voragem do tempo, o templo continua lá, embora seja hoje um lugar de peregrinatio para turistas de todos mundo, de todas as culturas e cultos, recebendo-os a todos como aliás fizera já, em tempo remotos, a todos deuses. Claro está que outros edifícios de assumida grandeza, como lugares de culto, sofreram percursos análogos ao longo da história. Alguns interrompendo ou anulando a sua razão de existir, por períodos variáveis, conforme a história desenha o seu obstinado itinerário. Exemplo relevante é o Parténon (séc. V a. C.) na acrópole em Atenas, levantado para glorificar a deusa Atena, sucessivamente destruído e ocupado e reutilizado, como igreja cristã, mesquita otomana e até simples paiol. Se por um lado a sucessiva ocupação de um espaço sagrado, mesmo que por diferentes cultos ou religiões, numa espécie de antropofagia, vê reforçada pelo mais recente ocupante a sacralidade do lugar, também a sua utilização para outros fins poderá por em causa elementos fundadores da nossa cultura, assente no respeito pelo outro e pela diversidade dos seus costumes e crenças. Assim, a reconversão dos espaços anteriormente dedicados ao culto religioso, com sejam templos e igrejas, é um fenómeno que tem vindo a crescer nas últimas décadas na mesma proporção do declínio do número de fiéis. Entenda-se neste caso, os diferentes ramos do Cristianismo, nos países industrializados do Ocidente. Da Austrália aos Países Baixos, passando pelos Estados Unidos e Portugal, o fenómeno da reconversão dos edifícios a outros fins, é um fenómeno que veio para ficar. As motivações poderão ser várias, ainda que vejamos em primeiro lugar os interesses imobiliários, que aqui descobriram um filão a explorar. É aqui que reside o que poderemos classificar de “pragmatismo” ocidental, com as suas raízes no protestantismo do norte da Europa, que rapidamente desmonta os fundamentos de uma matriz cultural de séculos para, sem quaisquer preconceitos, a adaptar a um presente que se quer verdadeiramente do “seu tempo”. O facto de muitas igrejas terem sido abandonadas ao culto religioso e os seus recheios vendidos ou integrados em museus, levou a que se transformassem em enormes espaços vazios, muitos deles esquecidos pelas autoridades civis e religiosas, entregues por assim dizer à sua má sorte. Todos conseguimos apontar exemplos de igrejas e conventos que se tornaram verdadeiros armazéns, albergando animais, produtos diversos ao mesmo tempo que servem de abrigo a todo o tipo de actividades, sendo igualmente refúgio dos sem-abrigo. No momento em que a Igreja de S. Julião, em Lisboa, se prepara para mais uma intervenção, que irá transformá-la deste vez em museu do Banco de Portugal, importa apontar alguns dados da sua funesta história: a igreja primitiva datada do século XIII foi completamente destruída pelo Terramoto de 1755. A sua reconstrução, segundo risco pombalino, teve lugar entre 1802 e 1810. Viria a sofrer um incêndio em 1816, sendo de novo reconstruída entre 1814 e 1854. Em 1933 foi adquirida pelo Banco de Portugal, estando aberta ao culto até 1934. A igreja é hoje utilizada como garagem do Banco de Portugal. Este é um dos exemplos de edifícios religiosos cujas utilização sofreu e está em vias de sofrer alterações significativas à sua função primordial. Seguem-se imagens de outros edifícios religiosos reconvertidos, um pouco por todo o mundo, que são exemplos reveladores da irrelevância do chão sagrado e do pragmatismo contemporâneo:
Igreja de S. Julião, Lisboa
Igreja Sta Teresa, Boston (convertida em casa)
Igreja convertida em casa, NY
Igreja dominicana, Maastricht, arq. Merkx + Girod Prémio arquitectura de interiors 2007 Utreque
Utreque
Igreja de S. Bartolomeu, Chodovice, Boémia Oriental, arq. Maxim Velcovsky
Igreja de S. Bartolomeu, Chodovice, Boémia Oriental, arq. Maxim Velcovsky

2008-09-19

Quando da escuridão se faz luz

Van Gogh, Noite estrelada sobre o Rhone, 1888
O nome de um grande artista associado a uma exposição é meio caminho andado para o sucesso da iniciativa. Fazem-se filas quilométricas à porta dos museus e galerias, compram-se bilhetes com grande antecedência, planeiam-se viagens e estadias e há toda uma máquina comercial que gira em torno do esperado êxito do evento. Os grandes museus abrem os seus espaços numa sucessão infinita de salas, publicam volumosos catálogos, promovem ciclos de conferências, concertos e filmes, os serviços educativos realizam oficinas e oferecem visitas guiadas, as lojas enchem-se de artefactos de todos o tipo, alusivos ou inspirados nos objectos artísticos. A festa faz-se. Se nos interrogarmos sobre a validade de tudo isto teremos certamente que nos juntar ao coro de vozes que apoiam este género de acontecimentos, não pela sua grandiosidade (que muitas vezes joga a desfavor) mas pela oportunidade que possibilita ao cidadão comum: o confronto com a obra de arte. Todavia, as sondagens realizadas aos visitantes demonstram dados absurdos. Muitas das pessoas trocam os nomes dos artistas, das exposições e da natureza do tema visado, mostrando muitas vezes total incompreensão sobre os objectivos dos organizadores. Para além do sucesso, do número dos visitantes, das receitas obtidas com bilheteiras, vendas de produtos e dos patrocínios das grandes empresas, bancos ou companhias de seguros, o que fica então da exposição? O catálogo? Tudo o que foi impresso ou fabricado para a ocasião? E o que ficou então dentro de cada um de nós? Sendo esta última provavelmente a questão principal, será porventura a de mais difícil resposta.
Quando o MoMA (Museum of Modern Art, New York), um dos principais museus do mundo, e não apenas por possuir a que é certamente a mais qualificada colecção de arte moderna à superfície da terra, mas sobretudo por saber adaptar-se aos novos tempos (e por “novos” entenda-se: contemporaneidade), ao criar novas leituras da colecção, abrindo-se ao exterior, promovendo a arte e os artistas para além do espaço que as alberga. É por isso surpreendente que depois do sucesso do blockbuster: “Dali Painting and Film”, o MoMA esteja a poucos dias inaugurar uma exposição, de formato mais intimista, com um nome de incontornável “celebridade” do mundo da arte: Van Gogh. Assim, a exposição “Van Gogh and the Colours of the Night” (21 de Setembro de 2008 – 5 de Janeiro de 2009), afigura-se um exercício de contenção face a uma possível megalomania que o nome sugere, sustentado num trabalho de grande rigor científico, que define um tema que serve de ponto de partida para o confronto com apenas um segmento da obra de um artistas mais relevantes da história da arte.
«… Não sei se poderás entender que é possível fazer poesia através da combinação das cores, da mesma forma como tu podes dizer palavras de conforto através da música …» carta de Vincent Van Gogh à sua irmã Wilhelmina. Arles, Novembro de 1888
A relação especial do artista com a noite é o fio condutor desta exposição que integra 23 pinturas, 9 desenhos, correspondência e os livros que leu (que incluem poemas sobre a noite), numa colaboração entre o MoMA e o Museu Van Gogh de Amesterdão. As últimas horas do dia, a transição entre o ocaso e a noite (“Estivadores em Arles, 1888), tornada mais verdadeira com o acender das luzes da cidade ou/e a presença notada das estrelas na imensidão do céu (“Noite estrelada sobre o Rhone”, 1888, ou “Noite estrelada”, 1889) tudo serve a Van Gogh para experimentar sensações de cor, associadas a estados de espírito, a humores, sem nunca se afastar dos ritmos da natureza. Mas a Van Gogh interessam também os espaços iluminados dos cafés (“Café em Arles”, 1888), ou o dramatismo dos interiores na tradição de Rembrandt, em que os “Comedores de batatas” (1885) é o culminar de uma primeira fase da obra de um artista que tardiamente (cerca dos 27 anos) se lançou de corpo e alma ao exercício da pintura. É com os “Comedores” que se inicia o percurso da exposição. Será também com a representação de um interior, uma espécie de natureza morta, que prima pela ausência do sujeito da representação, que novamente a iluminação interior ganha presença, através de uma vela acesa. Mais do que uma alusão à transitoriedade da vida – vanitas -, a tela de 1888, “A cadeira de braços de Gauguin”, com a qual a exposição termina, representa o nocturno interior de Van Gogh, através da evocação do amigo ausente e da sua inevitável solidão.

2008-09-18

últimos dias

After Nature, New Museum, NY, até 21 de Setembro

Mostra-me a tua casa e eu dir-te-ei quem és!

EXPERIMENTA DESIGN 2008
Abriu hoje a edição 2008 da Experimenta Design, este ano a partir de Amesterdão. Foi dado o pontapé de saída para um evento notável que mostra bem a energia do design português e que agora consegue uma adesão de peso. A Bienal mudou de casa e este ano mostra-se na Holanda. Guta Moura Guedes conseguiu assegurar a alternância entre Lisboa e Amesterdão para as futuras mostras, depois de tantas indecisões dos anteriores responsáveis camarários, que levaram mesmo a um cancelamento.
As questões que a Bienal deste ano coloca são múltiplas, como é habitual, mas o pano de fundo centra-se no tema "Space and Place – Design for the Urban Landscape". O reconhecimento de que a maioria da população mundial vive hoje em aglomerados urbanos veio introduzir um novo paradigma, que é também um desafio para arquitectos e designers. A emergência e consolidação de uma cultura urbana, sem raízes no espaço rural, nem apetência para a nostalgia de um passado que para alguns se encontra morto e enterrado é uma evidência com a qual teremos que lidar . A mudança de padrões de vida e a construção de uma nova "paisagem" urbana (urbanscape) são questões chaves a equacionar hoje, para melhor resolver os problemas do futuro. Todos sabemos como a arquitectura e o design moldam a nossa vida e os nossos comportamentos, individuais e colectivos, pelo que o envolvimento de todos nestas questões é também uma questão de sobrevivência.

2008-09-16

Crisis? What Crisis?

No mesmo dia em que a AIG apresenta graves problemas financeiros e que soubemos da falência do banco Lehman, a leiloeira Sotheby's (Londres) regista um novo recorde na venda de obras de um único artista: Damien Hirst. Atingiu 111 milhões de libras (10 vezes mais que o valor obtido na venda Picasso de 1993). Dá mesmo que pensar ... Não estaremos a viver um daqueles momentos de absoluta alienação pós-especulativa? muito longe da realidade de 1929, cujo slogan alguma comunicação social não deixa de evocar? Preparemo-nos pois para piores dias, pois eles certamente virão, assim como para as novas fábulas que invadirão os nossos tão monótonos quotidianos ...

dancEUnion : sem Portugal

DancEUnion é um festival que visa CELEBRAR a dança europeia. A edição deste ano decorre no âmbito da presidência francesa da UE e conta com a presença de 23 países através dos seus performers e coreógrafos. O programa de 2008 visa assinalar o Ano Europeu para o Diálogo Intercultural através do fortalecimento da cooperação entre os diferentes institutos culturais de todos os países da União Europeia.
É por tudo isto que se lamenta a ausência de Luís Guerra (Portugal) nesta iniciativa. 
.................
Newsletter::Bomba Suicida::Newsletter::Bomba Suicida::Newsletter::Bomba Suicida
Comunicado Official Notice
......................................................
Vimos por este meio lamentar o facto de o coreógrafo Luís Guerra ter de cancelar a sua apresentação no Festival DANCEUNION no Southbank Centre em Londres no dia 20 de Setembro, após meses de espera de resposta por parte das entidades portuguesas responsáveis por toda a logística referente a esta representação de Portugal.
Todo este episódio é lamentável, mas infelizmente, o normal no nosso país.
Desde de junho que estamos a pensar em soluções, a fazer telefonemas e a aguardar respostas para que o Luís Guerra pudesse representar o seu país num festival europeu em que a intenção base é a promoção da dança contemporânea de cada país.
De 23 países representados no Festival DANCEUNION, Portugal foi o único que não apoiou o seu artista.
We deeply regret the cancellation of Luis Guerra's performance at the DANCEUNION FESTIVAL on the 20th of September in the Southbank Center, London, after months waiting for an answer from the Portuguese entities responsables for the logistic of the representation of Portugal.
This is a terrible episode, but an usual one in Portugal.
Since June we are looking for solutions, making phone calls, waiting for answers, trying to make this representation of Portugal possible in a Festival that means to promote the Contemporary dance of each country.
From 23 countries represented in the DANCEUNION Festival, Portugal is the only one that didn't supported his artist.

2008-09-15

O salto no vazio

É impossível ficar indiferente perante a obra de Gonçalo Barreiros (GB) agora patente na Agência Vera Cortês.
A orgânica simplicidade da mostra esconde um enredo bem urdido, que o artista vem fabricando desde que escolheu Londres e a Slade School of Art, para lugar de concretização do seu Mestrado artístico. É exactamente do cruzamento de uma vontade de homo faber e da apropriação feliz dos objectos do mundo, para os re-fazer, mesmo que seja para o contentor, que é o espaço da exposição, que GB desenvolve a sua instalação. É notável a forma como o “vazio” se preenche de magníficas associações e relações exteriores à própria obra apresentada, a que não são alheias. Assim, o vazio que os objectos preenchem completa-se através das imagens e dos sons que se desmontam e se apreendem, como se se tratasse de uma “primeira lição”, reforçada pela citação, num dos quartos, à escola do Estado Novo. O facto dos seus objectos se repartirem por cinco quartos (um por quarto) é revelador da vontade de preencher o vazio do espaço da casa, convocando uma organicidade apenas metafórica, assente no desejo que os objectos estabeleçam uma rede pós-rizomática de associações e vontades próprias, libertas da própria lógica do fazer. As possibilidades de montagem seriam inúmeras. Perante o vazio há que dar o primeiro passo ... ou deixá-lo permanecer –Vide - como fez Yves Klein na Galeria Iris Clert (1958). A ousadia da montagem é ela própria uma “obra” que “cose” cada um dos quartos da casa, que é também a marca de uma vivência outra. Casa e obra são apropriações que devoram o tempo, fundindo-se num objecto único. Ao vivê-lo procuramos sentir a sua unidade física que é também uma janela libertadora para compreender o conforto da repetição, da incongruência, da desmontagem da representação, do desconforto da hesitação e da experiência que nunca é banal. Tudo isto está lá, assim como o risco assumido pelo salto no vazio.
Até 31 de Outubro na Vera Cortês Agência de Arte, em Lisboa.

2008-09-14

Nos 800 anos de Rumi

de uma querida amiga algures na Índia lendo sob as palmeiras,
embalando sua filha:
" We are the night ocean filled with glints of light. We are the space between the fish and the moon, while we sit here togheter."  Rumi (1207-1273)
Muito interessante: Exposição no Met
Interessante: Poemas de Rumi

2008-09-13

A Rosa Araújo. Esperança e desalento I

Legendas (de cima para baixo):
1-2 Rua Rosa Araújo (Setembro de 2008)
3 - Rua Rosa Araújo (1967)
4 - Rua Rosa Araújo n.º 49
5 - Rua Rosa Araújo n.º 28
6 - Catálogo da Exposição Comemorativa do cinquentenário do falecimento de Rosa Araújo (CML 1943)
7 - Caricatura de Rosa Araújo por Rafael Bordalo Pinheiro in catálogo supra.

A Rosa Araújo. Esperança e desalento II

Há ruas que são como parentes, têm nomes que nos fazem lembrar pessoas que conhecemos, sobre as quais ouvimos histórias ou simples relatos, que nos despertaram curiosidade e muitas vezes até inusitados afectos. Afinal o topos ónoma, (nome de um lugar), pelas fortes relações que estabelece com a história e a arqueologia, determinantes para elucidar da sua génese, foi durante muitos anos encarado como algo de muito sério por todos aqueles envolvidos na sua adequada atribuição. Isto para dizer que dar um nome é coisa que exige ponderação. No caso de Lisboa a denominação de novos arruamentos ou a alteração dos actuais compete à Câmara Municipal, ouvidas as juntas de freguesia da respectiva área e a Comissão Municipal de Toponímia que integra um conjunto diversificado de membros. Há ruas que têm nomes que lhes assentam bem, como é o caso da Rosa Araújo. Esta tomou o nome de José Gregório da Rosa Araújo (1840-1893), comerciante, deputado, par do reino, 26º presidente da Câmara Municipal de Lisboa (1879-1885), principal impulsionador e responsável pela abertura da Avenida da Liberdade (iniciada em 1879), que levou à destruição do Passeio Público Setecentista (arq.º Reinaldo Manuel), parte integrante do projecto Pombalino de reedificação de Lisboa.
A contestação ao projecto fez-se sentir logo de início, com as demolições do antigo teatro das Variedades e da praça do Salitre, assim como de importantes edifícios localizados na praça da Alegria, cujos proprietários receberam avultadas indemnizações e que deixaram depauperadas as finanças camarárias. Seguiu-se a demolição dos prédios da rua do Salitre, que então chegava à rua das Pretas e, posteriormente, os que existiam na praça da Alegria de Baixo. Todavia, tal como o barão Haussman em Paris, também Rosa Araújo prosseguiu a sua cruzada. Recorreu a bens pessoais e lançou a semente para uma nova fase de construção de prédios de arrendamento, cujo financiamento foi assegurado por uma nova estirpe de capitalistas, como Barata Salgueiro com os quais foi possível estabelecer acordos para construção na zona ocidental da futura Avenida. Será interessante verificar que o lado oriental da mesma avenida manteria, com alguma teimosia, muito do traçado medieval. Sendo senhorio de membros da nobreza, teria mais dificuldade em adaptar-se aos novos ventos que então sopravam (veja-se o traçado da Rua de São José, a principal via de acesso ao centro da cidade, anterior à Av. da Liberdade).
Rosa Araújo foi alvo de muitos agravos e até da alcunha de “cocó”, que resultava do facto do seu avô chamar da porta da sua confeitaria, à Rua de S. Nicolau (actuais nos. 43 e 45), os rapazes que por ali passeavam para lhes dar um rebuçado, ou seja, um “cocó” como os apelidava. Mas o processo era irreversível e a obra foi mesmo avante. Cinco anos passados, por ocasião das festividades que assinalavam o tricentenário de Camões em 1880, Rosa Araújo tomou parte muito activa nessa comemoração, envolvendo-se na criação do bairro Camões (lado oriental da Avenida). Lembremos que do lado ocidental, o Bairro acabaria por tomar o nome de Barata Salgueiro, o capitalista que promoveu a sua construção.
Rosa Araújo não recebeu qualquer título de nobreza.
Serve esta longa introdução para estabelecer o pano de fundo para os mais recentes desenvolvimentos sobre o episódio Rosa Araújo, vindos a lume no Público (11.09.2008, Ana Henriques):
"A Câmara quer acabar com esta rua?"
questionou Helena Roseta.
"Recuso-me a assumir o papel de tutor de estética"
disse vereador do Urbanismo [Manuel Salgado]**
A questão é a seguinte: deverá o presente ser um palimpsesto do passado? Parece-nos que não. Todavia se recordarmos o contexto em que se iniciaram as obras de demolição do Passeio Público em Lisboa (1879) ou a “nova” Barata Salgueiro (2008), temos como denominador comum, uma vontade de “modernização”, de dar uma “nova” utilização a um espaço pré-existente, que afinal ditará uma nova forma de viver.
A resposta à pergunta de Helena Roseta é, obviamente, não! A rua continuará a existir apesar de tudo. Mas não será a mesma rua em função da sua reconversão. Não será só pelos prédios crescerem, alguns deles passarem a comunicar entre si, ou passarem a ter outras funcionalidades (a habitação será relegada para um número perfeitamente residual, privilegiando-se os equipamentos hoteleiros e os escritórios), como acontecerá, com tantas outras ruas de Lisboa, uma via que exibe apenas, através das fachadas restauradas e ampliadas, a “citação” de um tempo que não volta mais. E os interiores? Esses serão completamente reformulados, num quadro de contemporaneidade, adaptados à respectiva função, ignorando que a arquitectura é um exercício TOTAL, numa articulação consistente entre o edificado exterior e o seu interior. Uma rua de “fachadas” Oitocentistas poderá ser interessante do ponto de vista de um equilíbrio estético que algumas cidades apresentam (exemplos de Paris, Londres, Amesterdão), mas que Lisboa efectivamente não tem. Mas essa razão não é suficiente para justificar uma espécie de “tudo é permitido”. Claro está que quando o arquitecto Manuel Salgado defende a integração de edifícios de estética pós-pombalina na Baixa, não refere que muitos resultam de feridas abertas no tecido de uma cidade que nunca soube viver com a conservação do edificado e a sua adaptação inteligente e funcional ao tempo de um qualquer presente. Preferiu-se sim delapidar o património edificado através de uma política de abstenção, para mais tarde conseguir erguer novos edifícios sem quaisquer preocupações de integração urbanística (ex.: sedes dos antigos bancos BNU e Totta & Açores, nas Rua Augusta e Rua do Ouro). Esta será, infelizmente, uma das dificuldades de classificação da Baixa a Património Mundial.
Quer isto dizer que a Rosa Araújo tem qualidade de “fachada” suficiente para que se elabore um projecto de grande dimensão, por uma firma de arquitectos de renome, assegurando certamente as contrapartidas financeiras que possibilitarão a sua concretização (imobiliárias e banca estarão em sintonia). A rua tem panache, sendo ela própria um pequeno boulevard, junto a um eixo de prestígio da cidade, o primeiro e único, esse sim boulevard, de Lisboa (ainda que à escala da cidade). Será por conseguinte interessante o investimento. O que espanta e se lamenta é a posição da Câmara Municipal, que mais parece um mero espectador do que um verdadeiro moderador. Não basta pagar indemnizações (algumas delas bem magras) aos antigos proprietários, selar as janelas e as portas dos edifícios, esperar pelos projectos imobiliários (que podem levar anos a concretizar), levando as ruas à sua triste morte, para depois, por arte de magia, tentar fazê-las renascer das cinzas e lançá-las a uma nova vida, dominada fortemente pelo terciário. Concordo com o autor do blog cidadania LX (ver abaixo) quando diz: “A cidade continua a desertificar-se e no local onde já há 20 hotéis fazem mais um. Os turistas em breve ficarão sozinhos a olhar uns para os outros, à procura de indígenas que passam nos autocarros cheios vindos dos subúrbios.” A ironia é essa, que cidade queremos nós? Que arquitectura queremos nós? Apenas fachadas com excrescências de tipo “contemporâneo”, do género faz de conta … ou uma cidade qualificada, no respeito do legado de qualidade que nos chegou (e não foi em grande abundância), convertendo-o sim, a novas funções sem negar a sua verdadeira génese. A Rosa Araújo merece que olhemos por ela com dignidade e não apenas com o juízo do mercantilismo latente que não tem uma ideia de cidade feita para quem a habita, mas apenas para quem se usa dela com manifesto desdém.
* Estas notas baseiam-se apenas no trecho da Rosa Araújo compreendido entre a Avenida da Liberdade e a Rua Mouzinho da Silveira.
** Não comentamos a citação atribuída ao arq.º Manuel Salgado
Interessante: CMLcidadania LXBusto de Rosa Araújo

2008-09-11

Graffiti e caca de cão – Parte II

Desagrada-me sobremaneira o modo como certas ruas da minha cidade (Lisboa) estão periodicamente pavimentadas a caca de cão. A escolha de “periodicamente” não é casual. De facto, quando comecei a pensar em escrever estas linhas, deparei-me, no decorrer da semana, com uma verdade insofismável: as nossas ruas estão cobertas de caca de cão. Todavia, ontem, ao percorrer parte da Baixa, da 24 de Julho e mais tarde da colina do Castelo, verifiquei, com moderado espanto, que a maior parte da caca do dia anterior não estava lá. Ora esta experiência vinha confirmar a minha suspeita: de tempos a tempos as ruas são varridas (e menos frequentemente lavadas) arrastando para as sarjetas os ditos excrementos de canídeos. Não consegui ainda registar a periodicidade dos ciclos entre permanência e remoção dos ditos, embora possa assegurar, que no bairro onde vivo, a sua intermitência é penosamente longa.
Regressado há algumas semanas de Nova Iorque, não posso deixar de registar a impressão absolutamente positiva que me deixaram os amantes locais do “maior amigo do homem”. Numa cidade gigantesca, sob um calor tórrido e abafado, em constante azáfama e em que os serviços de limpeza urbana se desunham para manter a polis dignamente salubre, não vi caca de cão fora dos locais onde ela deveria estar sempre: no lixo. Observei atentamente os animalia e sempre que um se posicionava a jeito, agachando-se, temia o pior. Todavia, do mais humilde proprietário do rafeiro preso por um cordel, à elegante senhora saída da canção dos Simon and Garfunkel (Mrs. Robinson), que desfilava dois bem escovados terriers, todos se agachavam, praticamente em simultâneo com os seus “amigos”, para imediatamente removerem a excrescência ainda fumegante. Bravo! Bravo! Apetecia-me aplaudir. Mas tratava-se afinal de um gesto rotineiro, destituído de grandiloquência, mas eficaz, digno, verdadeiramente pragmático, enfim, útil. Pensei na altura, como era bom percorrer as ruas de Manhatan, descontraidamente, de nariz no ar, mirando os cumes dos edifícios – verdadeiros monumentos – sem a preocupação constante de por os olhos no chão, não fosse … todos sabemos o quê. Imaginei os magníficos passeios da minha cidade, pavimentados a calcário branco e preto, lavados a escova (há máquinas para isso), reluzentes, impolutos, para logo a seguir acordar do devaneio e colocar os olhos no chão, não fosse … Voltado à realidade, percorri algumas ruas de Lisboa (a segunda foto acima foi tirada anteontem numa rua do Bairro Alto) para apenas confirmar que tudo continuava como sempre fora. Vale a pena no entanto determo-nos no programa “Lisboa Limpa” da Câmara municipal de Lisboa, e nos seus esforços, supostamente pedagógicos e informativos e claro está, muito ineficazes. Cartazes, folhetos, autocolantes, campanhas publicitárias radiofónicas, televisivas e outras, distribuição gratuita de sacos de plástico para remoção de dejectos (vulgo, “caca de cão”), criação de locais expressamente concebidos e engenhosamente desenhados para a função, foram todos ensaiados. Então por que não são evidentes resultados mais satisfatórios? Por que os “amigos” destes animais teimam em ignorar as regras mais básicas de civilidade e o respeito pelo espaço público. Claro está, que se perdessem algum tempo a “educar” as criaturas de quatro patas, todos nós beneficiaríamos. Os próprios animais, que não são parvos, cedo saberiam que só teriam a ganhar se fizessem as suas necessidades nos espaços adequados, pois teriam direito a recompensas - não atafulhando-os de iguarias - mas fazendo-lhes festas ou lançando-lhes cúmplice e amigo, revelando reconhecimento. Caso contrário: castigo. Claro está que o acto seguinte ou mesmo simultâneo seria o de retirar o “presente” e isso, como sabemos, cabe ao “dono”.
Interessante: CML -  Osteonline - Dog souvenirs - Remoção

2008-09-10

Graffitis e caca de cão : Parte I

Se tivesse que eleger duas coisas, entre várias, que verdadeiramente me desagradam na minha cidade (Lisboa) escolheria sem hesitar: os graffiti e a caca de cão.
Comecemos pela primeira. Desagrada-me de sobremaneira a forma como os graffiti proliferam na cidade, invadindo tudo, numa espécie de horror vaccui, que alastra como um rizoma que tudo engole e destrói. Desagrada-me que os graffiti sejam destituídos, na sua esmagadora maioria, de qualquer mensagem ou qualidade artística, para se reduziram a meros “tags” desqualificados. Convém recordar a natureza transgressora e panfletária que está na sua origem, tornada mais visível na década de 1960, absorvendo os ensinamentos da Pop Art e da lição política do Maio de 68, mas também do recém-chegado hip-hop (EUA, finais da década de 1960) para de novo renascer nos anos de 1980, findos que estavam os anos do Punk e assim entrarem pela porta grande das galerias de arte e até das casas leiloeiras. Lembremo-nos do poderoso contributo de Basquiat ao ultrapassar o espaço contido do “quadro” trazendo a suas mensagens para a rua (ou o interessantíssimo Dubuffet que, apesar da irreverência da representação não utltrapassou os limites da tela). Façamos hoje novo exercício retrospectivo e compreendamos a força dessa arte rebelde que invadiu o espaço público e a propriedade privada sem quaisquer pudor ou restrição mas que cedo se deixou seduzir pela leis do mercado que combatia. Poderemos fazer recuar ainda mais o nosso exercício de memória e iremos encontrar graffiti ao longo de toda a história da humanidade. Podemos mesmo dizer, onde há homem há graffiti, basta que para isso aquele aguce o engenho e descubra o instrumento que lhe permita registar a sua “marca” - o momento da sua passagem. Está aqui verdadeiramente a génese dos “tags” contemporâneos, essa vontade (necessidade?) de invasão do espaço, pelo registo de uma pegada que simbolicamente se manifeste através de uma mensagem: estive aqui! É esse grito lancinante que me desagrada. É demasiado egocêntrico e codificado para se dar ao luxo de invadir o nosso espaço público, sem que para isso possamos encontrar uma justificação. Não estarei certamente a ser injusto para com os artistas graffiteiros, que os há, e que por falta de políticas de intervenção artística, se vêm, em alguns casos, empurrados para os becos sombrios da cidade velha, para os viadutos das grandes avenidas ou para os aberrantes blocos de apartamentos de habitação social (e não só) que estrangulam as suas vidas.
A criação de espaços para serem grafitados, soluções por vezes encontradas por autarcas e políticos “gentis” à causa, é um mal maior. Subverte a razão do graffiti (quando a há e por vezes somos surpreendidos pela sua mensagem e eloquência) para a tornar um bem de consumo como tantos outros que cobrem o espaço urbano (cf. a publicidade), retirando-lhe força e dando-lhe status, que é afinal o seu objecto de crítica, o leitmotiv da sua própria existência. Que fazer então? Já que tenho o dedo apontado, poderei sugerir que sempre que os graffiti surjam eles devem ser removidos. Aqui a Câmara Municipal de Lisboa terá de assumir a sua condição de zeladora pelo espaço público e pela propriedade de outrem. A acção não irá destruir a vontade graffiteira, mas irá torná-la um excitante jogo, embora bastante dispendioso. Para atenuar custos e esforços, poderão declarar-se zonas estritamente off limits. Esses locais exigiriam uma pronta resposta, por parte das autoridades, até ao limite de 24 horas. Uma vez localizado o graffiti pela “brigada anti-graffiti” (expressamente constituída para o efeito, recorrendo ao voluntariado através das Juntas de Freguesia), esta teria apenas um dia para repor a situação anterior, ou seja, limpar o local que serviu de suporte. Todos os outros teriam resposta adequada aos meios existentes. E como poderíamos então resistir à sedução que alguns graffiti exercem sobre nós? Todos no lembramos afinal dos magníficos murais que inundaram as cidades do país em geral e Lisboa em Portugal, a seguir ao 25 de Abril. Mas seriam mesmo graffiti? Ou teriam outra classificação? na espantosa tradição sul americana de Muralismo, de que Diego Rivera foi um dos seus maiores expoentes (a arma política da revolução mexicana 1910-1920). É facto que nesta onda de “limpeza” nos arriscaríamos a fazer desaparecer magníficos exemplares da chamada “cultura urbana”, que ficariam irremediavelmente perdidos para todo o sempre. Solução: levantamento fotográfico antes da limpeza. Afinal, os ditos graffiti teriam já cumprido a sua missão efémera, enquanto que os que asseguraram a sua remoção ficariam com a satisfação da missão cumprida e do dever da preservação do legado antropológico devidamente assegurado. Talvez esta não seja a melhor solução, reconheço, mas é preciso levar a cabo acções que possam modificar o estado das coisas e que pela sua dinâmica possam inclusivamente criar nos fazedores de graffiti, tags, etc. e também nos artistas que escolherem esse meio de expressão, novas fórmulas, conceitos e meios de expressão, com efeitos menos devastadores do NOSSO espaço público.
Recomendaria, como nota final, que fosse criada uma brigada no âmbito da ASAE que inspeccionasse os locais de venda de sprays etc., por forma a que apenas fossem vendidos materiais com certificado ecológico e garantia de facilitada remoção.

2008-09-06

After Nature : o mundo pós-apocalíptico

O New Museum (The Bowery, Nova Iorque) apresenta a excelente exposição After Nature a partir da obra de Sebald, falecido em Dezembro de 2001. Num mundo pós-apocalíptico, pouco resta ao homen senão a procura de um nova metáfora que dê signifcado à desoladora razão de uma possível não existência.
Leia mais no New York Times

Arquitectura de Carrilho da Graça

Um bom exemplo da qualidade da arquitectura portuguesa é o recém-inaugurado Auditório da cidade francesa de Poitiers, assinado pelo arquitecto português João Carrilho da Graça. Trata-se de uma enorne estrutura implantada no tecido urbano da cidade que com ela convive e se articula de forma integrada. A cidade de Poitiers passará a contar com uma notável sala de espectáculos e com uma excelente programação.

2008-09-04

primeiras linhas

O título deste blog foi sugerido pelo Capítulo XI da obra de Lewis Carroll, Alice's Adventures in Wonderland (Londres, 1865). Não se trata aqui de justificar uma ou mais razões para tal escolha, mas sim lançar um quadro de intenções que podem justificar a vontade de comunicar e assim partilhar palavras e imagens que de outra forma acabriam por ficar nas nossas gavetas ou arquivadas nos discos dos nossos computadores. Fica assim entreaberta a porta para, como Alice, espreitar o outro lado do espelho, onde se esconde, afinal, muito do nosso quotidiano.